segunda-feira, 7 de abril de 2008

DATA VÊNIA

O Peso da Terra

Clélia Fonseca de Carvalho

Um dia, pensei:
“E se tudo o que disseram tiver sido mentira? E se não houver, finalmente, vida após a morte? Já imaginaram?
De um instante para o outro a chama da vida se extingue e, como uma vela apagada deixaremos de
Iluminar a escuridão à nossa volta.
Assim, de repente, não mais que de repente (como dizia o poeta) e, como que reagindo ao movimento do dedo no interruptor, ou no botão onde Deus escreveu desligado, chegamos ao fim.
Cessa o movimento do corpo, a memória se apaga e a longa estrada da vida chega ao seu final.
Acabou. Fim.
Não há mais acerto de contas, nem dono do inferno ou senhor do céu.
Não haverá Pedro, nem Satanás para dar as boas-vindas à porta da próxima parada.
Nem céu nem inferno, apenas buraco negro do nada e a matéria se desintegrando, gradualmente, pasto de vermes.
Este é o ponto final. Todo mundo desce aqui.
A partir daqui, só o silêncio, a escuridão, a inércia, nada mais.
Já imaginaram?
Eu, que imaginei e fiz as contas, considero-me no lucro. Se não houver nada além, já terá valido a pena.
E valeu, porque andei descalça sobre a grama molhada, mergulhei no doce das águas de um rio e no sal das ondas do mar. Vi o sol nascer e se pôr, conheceu o amor, gerei crianças perfeitas.
Fui abraçada por mornas manhãs, cantei no chuveiro, recebi afagos do vento e tomei banho de chuva.
Li livros bons e ruins, fiz poesias, conheci pessoas interessantes, torci por um timão, gritei “gol”.
Chorei de alegria e de dor. Gargalhei, sorri. Bebi poemas, sonhei mudar o mundo, e acordei pacificada e nua diante de um imenso deserto.
Não conheci a fome e sempre existiu um cobertor para me proteger do frio e um teto como abrigo às tempestades.
Decifrei, menina ainda, o significado das palavras Lar, Mãe e Saudade.
Fiz amigos, muitos. E inimigos que não enchem uma mão.
Comi pão com mortadela na padaria, colhi fruta madura no pé, deliciei-me com sorvete e pudim numa saudosa sorveteria, brinquei de pique, aprendi a costurar, bordar, pintar e até cantar, Senti o perfume adocicado das flores de um pé de “Dama-da-Noite” que existia na praça, curti muito o Cine Avenida, dancei, desfilei na Sapucaí, fui aluna do Ginásio Santo Antônio, professora por mais de 30 anos, cresci no bairro do matadouro velho, brinquei na rua, sonhei muito em noite de lua, “colhi” frutas na casa do vizinho, peguei “rabeira” em carro de boi, soltei pipa e rodei pião,etc.
Nunca matei nem roubei. Ao longo dos anos tentei vencer a inveja e a mesquinhez. Não sei se consegui. Pequei como todo mundo e medos nunca me assustaram além da conta.
Saí de minha cidadezinha, minha aldeia, corri trechos, visitei outros países, outros mundos que imaginava longínquos demais, paisagens tiradas de páginas impossíveis. Fui e voltei.
Aprendi a me arrepender dos erros e a pedir perdão, uma das tarefas mais difíceis para o ser humano.
Eu sei que ainda tenho muito a melhorar. Mas não perdi a esperança.
Se tudo que disseram durante toda a vida tiver sido mentira, não terei mais perguntas a fazer. Nem queixume. E me darei por satisfeita se tiver conseguido melhorar o produto final, quando chegar a hora de ir desta para lugar nenhum.
“Reduzida à simples matéria, sei que a terra me será leve, muito leve.”

Um comentário:

Unknown disse...

clelia fonseca de carvalho:muito linda sua postagem.O Peso da Terra so me fez,, aumentar a saudades dai. sou dai,abraços a todos os conterraneos. um Grande AbRaçO, D: Clelia