segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O GIGANTE E O VÍRUS

(Dedicado à Tânia M.R. Santini por ter me atiçado, via fone, como se cão de caça eu fosse.)

A vida humana é cheia de coisas incompreensíveis e contraditórias e a nossa situação dentro do mundo natural, o reino animal ao qual pertencemos, é muito curiosa, nada confortável e um tanto decepcionante. Ao final deste, voltaremos à questão para uma conclusão.
Atualmente o domínio quase absoluto da natureza está nas mãos humanas e para tanto o homem vem lutando, não com unhas e dentes, mas com inteligência e obstinação (homo sapiens) desde os primórdios de sua existência na terra contra seus inimigos visíveis e invisíveis: as adversidades naturais: ameaças constantes à sua vida, pois que o instinto de sobrevivência é um dos mais fortes, ao lado do da procriação: perpetuação da espécie. Manter-se vivo e proteger a prole é o esforço radical de todo animal e razão de sua existência enquanto elemento da natureza. Com tal incessante luta, o homem foi desenvolvendo através dos tempos, a duras penas, o “conhecimento” para dele retirar o quanto necessário para sua defesa, proteção física, alimentação etc. para ter assegurado um mínimo de garantia e com ela a continuidade da vida. Manter-se vivo, a salvo, e ter garantida a geração seguinte é um imperativo da existência e para tanto os animais (inclusive nós) contam com o poderoso “instinto”, dom de Deus.
Desse empenho humano e sobre humano foi se acumulando o conhecimento que deu origem à Ciência e ao homem moderno, e com ele o conhecimento científico se tornou o senhor todo-poderoso, com razão e merecimento, hoje o homem é todo-poderoso. Deveras, esse semideus tem feito maravilhas: vasculhar o mundo submarino, esquadrinhar o espaço cósmico, ir à lua, fabricar satélites, mísseis, usinas atômicas, transplantes de órgãos, remédios eficientes para quase todas as doenças, engenharia de arranha-céus, artes geniais; aviões, navios e automóveis saídos das páginas da ficção. TV de plasma, computador, ultra-som, vacinas, inseminação artificial, mapeamento genético e um número quase infinito de realizações dignas mesmo de um deus terreno.
E dominando as forças e caprichos da natureza por ter à disposição cérebros privilegiados e aparelhos da mais alta sofisticação tecnológica, pode-se hoje manipular a natureza e prever até o imprevisível. Ter animais e vegetais geneticamente modificados, espiar o futuro para manter o necessário controle: prever secas, neve, furacões, inundações, terremotos, aquecimento global, colheitas ou não, epidemias, fome, explosão populacional, guerras etc. Controlar a política, a economia, o mercado etc. Controle > poder > controle > poder...
Com tão grande conhecimento, progresso, ciência, tecnologia, universos que têm ocupado o cérebro humano por tão longo tempo, à maneira de uma escada, achamo-nos, hoje, como conseqüência, no tão buscado patamar da vida moderna que de fato se traduz em conforto e facilidades de todos os tipos. Parece que é mais fácil ser feliz hoje que ontem, pelo menos o esforço é bem menor. Ninguém mais correrá atrás de uma capivara para ter almoço; nem catará gravetos para fazer a janta; a água jorra nas torneiras... Temos o templo-supermercado para nos fartar, basta haver uns trocados no bolso. O shopping e o “maravilhoso mundo das compras”... Todo o necessário para uma boa vida está à disposição: comodidades domésticas e profissionais, conforto para toda área do viver humano, uso e abuso dos bens de consumo, sonhos à venda e a receita para realizá-los, e como não poderia deixar de acontecer, a crônica insatisfação de muitos, porque sempre lhes faltará algo inacessível. Somos seres de desejos...
Com isso tudo, concluímos que o ser humano hoje, tendo os meios, ferramentas e oportunidades necessárias, pode ser considerado um ser poderosíssimo, uma criatura invencível em vários sentidos, para quem, quase todos os inimigos naturais estão sob controle. A despeito de tanta grandeza e poder, continuamos os mesmos do início da jornada: frágeis mortais, o que soa um tanto decepcionante. Eis nosso dilema e destino. Paradoxalmente, sucumbimos ao ataque de inimigos minúsculos, invisíveis a olho nu. O poder de um gigante versus o de outro tão pequeno: um vírus, hóspede de um mosquito.
Uma pessoa pode ser dona de uma fábrica de canhões que de nada valerão para combater o ataque de um vírus letal que a levará à sepultura. O presidente Bush, o homem mais poderoso do planeta, pode ser morto, se vier ao Brasil por esses dias, sem estar vacinado, pelo vírus da febre amarela. E suas forças armadas mais temidas do mundo!... E sua equipe de guardas pessoais especiais!... Tudo inútil!
Um bom exemplo historicamente acontecido é o de Alexandre – o Grande, rei da Macedônia, norte da Grécia, IV séc. antes de Cristo. Alexandre conquistou quase todo o mundo conhecido de sua época. Imagine-se o quanto lutou corpo-a-corpo com inimigos ferozes, quanto risco correu ao lado de milhares de companheiros mortos nas batalhas, mas ele mesmo saiu vivo de todas elas e, por ironia, foi vencido e morto por um inimigo desprezível: o vírus da malária, em uma de suas incursões em território indiano. Morreu na casa dos trinta anos, no vigor físico, cozido por uma febre de quarenta e tantos graus. Eis pois o paradoxo humano: tanto poder e tanta fragilidade num só ser, num só corpo. Esta é a questão curiosa e intrigante da vida humana, aqui retomada, colocada no início deste.

Por Antônio Volponi 14.01.08

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